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"Eco-92 nos levou ao cerne da atual política ambiental"

14 de junho de 2017

Klaus Töpfer participou como ministro alemão do Meio Ambiente da conferência da ONU no Rio. Passados 25 anos, ele defende em entrevista à DW a existência de uma política climática global.

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Manifestantes protestam em frente à Casa Branca contra a saída dos EUA do Acordo de Paris sobre o clima
Manifestantes protestam em frente à Casa Branca contra a saída dos EUA do Acordo de Paris sobre o climaFoto: Picture alliance/AP Images/S. Walsh

Klaus Töpfer, de 79 anos, é um dos mais conhecidos especialistas ambientais e climáticos alemães. Ele participou da Eco-92 – a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro – como ministro do Meio Ambiente da Alemanha, tendo contribuído consideravelmente para a criação da Convenção-Quadro da ONU sobre a Mudança do Clima.

De 1998 a 2005, ele foi diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), sediado em Nairóbi, no Quênia. Em 2009, fundou o Instituto para Estudos Avançados em Sustentabilidade (IASS), em Potsdam, na Alemanha. Hoje ele trabalha para o think tank TMG, em Berlim.

Em entrevista à Deutsche Welle, Töpfer diz que a conferência realizada no Rio de Janeiro continua valendo como um marco na política internacional de proteção climática. O especialista afirma ser importante não se deixar levar pela recusa de alguns atores globais em participar dos esforços de proteção climática.

"Se os outros não participam, mas o desafio ainda continuar existindo, então temos de fazer ainda mais para vencê-lo", afirma.

Deutsche Welle: A Cúpula da Terra, ou Eco-92, realizada de 3 a 14 junho de 1992 no Rio de Janeiro, foi um marco para a proteção do clima? Ou é um exagero dizer isso da perspectiva atual?

Klaus Töpfer: Foi um grande evento das Nações Unidas, que colocou juntos meio ambiente e desenvolvimento. Ele nos levou ao cerne da nossa atual política ambiental, ou seja, ao desenvolvimento sustentável. Nesse ponto, a conferência foi certamente um marco. No Rio, foi aprovada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre sobre a Mudança do Clima, que é uma espécie de Constituição da política climática. Ela entrou em vigor pouco depois – e com os americanos.

Ex-ministro alemão do Meio Ambiente Klaus Töpfer
Ex-ministro alemão do Meio Ambiente Klaus Töpfer participou da Eco-92, no Rio de JaneiroFoto: picture alliance/dpa

Essa mudança de curso iniciada no Rio não seria uma vitória só aparente? De que adianta carros emitirem menos poluentes, se as emissões de dióxido de carbono ainda aumentam, porque o tráfego não para de crescer?

O desenvolvimento econômico não pode estagnar em face do crescimento populacional. Em 2050, seremos 9 bilhões de pessoas. Em 1938, quando eu nasci, havia 3,7 bilhões de pessoas na Terra. Eu fui por oito anos chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em Nairóbi, e vi com meus próprios olhos que precisamos superar a pobreza, se queremos ter estabilidade neste mundo. E isso é uma preocupação antiga nossa, porque as pessoas que não podem sair da armadilha da pobreza vão fugir para áreas onde, na opinião delas, jorram leite e mel, e isso ocorre na Europa.

A Convenção do Clima da ONU, que foi adotada no Rio, tem mecanismos eficazes para sua implementação?

Precisamos, de qualquer forma, de medidas mais amplas. Isso começa com o financiamento de tal mudança. Quanto aos países em desenvolvimento, fica muito rapidamente claro que eles não podem gerar energia em detrimento do clima. A contribuição mais importante que a Alemanha tem feito para a proteção climática é o fato de as energias renováveis ​​serem atualmente competitivas. Agora, em muitos países africanos, o desenvolvimento econômico pode ser realizado com a energia necessária sem que o clima seja prejudicado por isso.

Em 1992, a Alemanha dedicava 0,36% de seu PIB para ajuda ao desenvolvimento. Hoje, essa cota é de 0,7%. Isso é um resultado da Eco-92?

É certo e apropriado que nós tenhamos agora chegado a este 0,7%. E é realmente uma provocação que o presidente dos Estados Unidos nos cobre permanentemente que gastemos 2% do PIB no setor de defesa militar e nem sequer mencione que a política de paz verdadeiramente preventiva consiste no fato de tornarmos possível a cooperação para o desenvolvimento.

Os Estados Unidos assinaram a Convenção-Quadro sobre o Clima, no Rio, mas não a Convenção da Biodiversidade. A atitude de bloqueio na política ambiental tem tradição em Washington?

Há uma grande quantidade de evidências de que um acordo juridicamente vinculativo para os Estados Unidos é extremamente difícil de realizar. Isso se aplica à Convenção da Biodiversidade e também se aplica a muitas outras áreas. Devemos fazer de tudo para que não nos deixemos bloquear pelo fato de outros bloquearem. Se os outros não participam, mas o desafio ainda continuar existindo, então temos de fazer ainda mais para vencê-lo. É essa minha firme convicção.

"Eco business is big business" dizia então, na Eco-92, o resultado de um estudo do Banco Mundial. Será que a tese ainda vale?

Claro que vale. Em um mundo de 9 bilhões de pessoas, não existe tecnologia que se sustente às custas do futuro. Por isso, é um grande problema que haja nos EUA uma espécie de nova campanha contra o esclarecimento e que a ciência tenha caído numa crise de credibilidade. Acho que este é um risco enorme.

Então presidente brasileiro Fernando Collor assina a Convenção sobre Mudanças Climáticas durante a Eco-92
Então presidente brasileiro Fernando Collor assina a Convenção sobre Mudanças Climáticas durante a Eco-92Foto: AP

Onde é maior a necessidade de se recuperar o atraso no setor de proteção climática: na China ou nos EUA?

Na China, o problema não são apenas as emissões de dióxido de carbono, mas também a qualidade do ar nas cidades. O governo de Pequim sabe que está chegando a um ponto em que as pessoas não se importam só com o crescimento, mas também com as consequências negativas associadas a ele para as suas vidas, que são a poluição do ar e o smog. É por isso que na China vem crescendo a importância da eletromobilidade.

As Nações Unidas na era de Donald Trump são o fórum apropriado para a política ambiental internacional ou seriam necessárias outras plataformas que também possam desenvolver algo sem necessidade de consenso?

Não. Não há nenhum substituto para o que as Nações Unidas têm que fazer como sua obrigação. Isso não exclui a possibilidade de serem adotadas medidas de apoio em grupos como o G20, que se reunirá dentro de poucos dias em Hamburgo. Há muitos grupos adicionais, tais como a União Europeia, o G7 e muitos estados nos Estados Unidos. A Califórnia, por exemplo, é um líder de política climática.

A ONU não está sozinha, mas ela é o único fórum no qual a diversidade de 194 países pode se reunir e onde Estados se veem mutuamente na obrigação de fazer algo. Isso é extremamente difícil, e muitos estão em processo de sair deste esquema: o slogan de Trump "America first" é um exemplo, e o Brexit também.

Também na França e na Alemanha existem movimentos que acreditam que é suficiente cuidar de si mesmos e não dos outros. Essa atitude é um pecado capital. Justamente agora precisamos de uma política ambiental e climática global.

Como é seu balanço pessoal 25 anos depois da Eco-92?

Minha opinião é que nos anos em que estive envolvido foi possível fazer da proteção do clima um desafio global. Quando eu comecei como ministro do Meio Ambiente, em 1987, sequer havia o conceito de política ambiental. Política climática era algo completamente desconhecido. As energias renováveis eram, quando muito, ridicularizadas. Mas considerar isso como meu balanço pessoal seria um pouco presunçoso. Aos 79 anos, a gente não está mais em condições de dizer "na época você era um grande cara". Graças a Deus que não!