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Alta do turismo expulsa cubanos de Havana

Andreas Knobloch fc
7 de agosto de 2017

Com a abertura da economia, cada vez mais edifícios do centro histórico da capital são transformados em restaurantes e pensões, e antigos moradores têm que buscar aluguéis mais baratos nos subúrbios.

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Edifícios reformados se contrastam com prédios deteriorados em Havana
Edifícios reformados se contrastam com prédios deteriorados em HavanaFoto: DW/A.Knobloch

"Apartamentos de aluguel para cubanos?! Quase não existem mais. Se você tem a sorte de ter um, segure-o bem…", diz Mayito, levantando as sobrancelhas e balançando a cabeça. "Havana se tornou uma cidade extremamente cara", acrescenta. Há semanas o homem de 20 e poucos anos, que trabalha como promotor cultural, procura um quarto para alugar no apreciado bairro de Vedado.

A atriz Mabel Torres também tem dificuldades de encontrar um apartamento por um preço acessível em Vedado, onde mora há anos. "Há seis anos, eu pagava 140 pesos cubanos conversíveis (CUC) [cerca de 119 euros] por mês por um apartamento de dois quartos com varanda em Vedado. Hoje, é quase impossível conseguir o mesmo imóvel, mesmo por 300 ou 400 CUC [255 ou 340 euros]."

"Aos poucos, meus amigos vão se mudando de Vedado, por não conseguirem mais pagar o aluguel", explica. A mesma situação se observa no centro histórico da cidade e, de forma mais branda, no bairro Centro Habana.

Trabalho por conta própria

São vários os motivos para tal situação. Desde a posse de Raúl Castro como presidente, em 2008, Cuba está em transformação, a economia se abre para o capital estrangeiro, o setor público se reduz e mais iniciativas privadas são aprovadas. Além disso, o governo permitiu a compra e venda de carros e imóveis.

Isso significa que, atualmente, casas e apartamentos voltaram a ser investimento ou meio de produção, na forma de bares ou apartamentos para turistas. Assim, na sequência da expansão das pequenas empresas – em Cuba: "trabajo por cuenta própria" –, muitos proprietários que antes alugavam seus imóveis às escondidas legalizaram seu negócio.

E essas mudanças coincidiram com o boom do turismo. Pelo menos desde o fim de 2014, quando Raúl Castro e o então presidente dos EUA Barack Obama anunciaram o início de uma aproximação política cautelosa, Cuba é um dos destinos turísticos mais procurados no mundo. Em 2016, pela primeira vez, o país foi visitado por mais de 4 milhões de turistas; e atualmente há na ilha caribenha mais de 14 mil quartos para serem alugados, grande parte em Havana.

Polarização da sociedade se reflete também nas condições dos prédios em Havana
Polarização da sociedade se reflete também nas condições dos prédios em HavanaFoto: DW/A. Valle

Turistas levam dinheiro – e problemas

Ouve-se constantemente turistas dizerem que "se deve viajar para Cuba antes que mude", ao explicar por que optaram pelo país. No entanto poucos têm consciência de que eles próprios fazem parte dessa mudança e até mesmo a aceleram.

"Em consequência das atuais transformações econômicas e sociais, as cidades cubanas atravessam uma mudança estrutural para que estão muito mal preparadas", diz Bert Hoffmann, especialista em Cuba do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo. "A abertura dos mecanismos de mercado como também o salto do turismo – em particular devido à aproximação com os EUA – trazem consigo grandes mudanças para as estruturas urbanas."

Hoffmann frisa, ainda, que a polarização social da sociedade está se tornando visível. "Alguns edifícios ou apartamentos estão sendo reformados para uso como restaurantes ou pensões. Enquanto isso, em paralelo, muitas vezes na vizinhança imediata, a deterioração dos prédios avança de forma desenfreada."

Em áreas residenciais mais atrativas, proprietários registram um alto crescimento do valor de seus imóveis, cuja venda legal é agora permitida pelas reformas econômicas. "Como resultado, bairros centrais de Havana experimentam um processo de gentrificação, em que os moradores mais antigos são expulsos, quando residências são convertidas em acomodações turísticas ou compradas por cubanos ricos, muitas vezes com apoio financeiro do exterior", explica Hoffmann.

"Havana antiga está morta"

Particularmente afetado por esse movimento é o centro histórico da capital de Cuba. A Baía de Havana se converteu num porto para receber turistas, e navios de cruzeiro atracam até três vezes por semana no local. A bordo, vários milhares de passageiros que se dirigem à parte antiga da cidade, já tomada por turistas.

Um shopping para ricos em Havana

"No verão de 2016, a chegada do primeiro grande navio de cruzeiro foi uma antecipação ao que muitos veem como a transformação de Havana em Veneza: se a capital cubana se tornar mais ainda um ímã para turistas e destino de cruzeiros de viagens, essa mudança mudará também a identidade cultural e o estilo de vida da cidade", teme Hoffmann.

Para alguns, porém, isso já está acontecendo. "Havana antiga está morta", diz um empresário que todos os dias acompanha de perto os desenvolvimentos na parte histórica da cidade e não quer ter seu nome divulgado.

"Tenho a sensação de que todos os comerciantes, vendedores e garçons são transportados até o centro a fim de compor o pano de fundo para os turistas que aparecem no local durante o dia. E depois das 22 horas não há mais vida nas ruas." Ele teme o ritmo acelerado em que tudo está mudando.

Difícil ato de equilibrismo

Com o grande fluxo de turistas, os preços de moradias no centro histórico de Havana subiram de forma acentuada, inflacionando o custo de vida e obrigando os antigos moradores a se mudarem para os subúrbios, onde os aluguéis são mais baratos. "A cidade antiga pertence aos estrangeiros", diz Maykel, que trabalha ilegalmente como corretor de imóveis e por isso prefere ocultar seu nome verdadeiro.

Já que estrangeiros não podem comprar legalmente imóveis em Cuba, eles o fazem por meio de "espantalhos" cubanos. Segundo Maykel, certas corretoras de imóveis oferecem mecanismos jurídicos para investidores de imóveis estrangeiros protegerem seu dinheiro, pelo menos formalmente.

"A cidade velha, especialmente a parte já restaurada e nas proximidades de Malecón, a orla da capital cubana, foi quase completamente vendida", comenta Maykel. "Tudo está se transformando em restaurantes, bares e apartamentos para turistas. Habana vieja está perdendo seus antigos moradores."

Uma possibilidade de combater a expulsão e a "disneyficação" da zona histórica seria limitar a concessão de licenças para residências de turistas e bares. Porém o governo cubano enfrenta um difícil ato de equilibrismo: por um lado, quer promover o turismo, visando estimular a economia e criar fontes de renda para a população. Por outro, o fosso entre pobres e ricos não pode crescer demasiado. Essa tendência pode ser constatada na paisagem urbana, com os primeiros hotéis de luxo abrindo suas portas.

Após uma longa procura, a atriz Mabel Torres achou um apartamento de dois quartos que precisa ainda ser reformado no centro de Havana por um aluguel de 250 CUC (212 euros). Mayito continua procurando um quarto e aos poucos se acostuma com a ideia de que acabará tendo que desistir de Vedado.