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Neth Nahara: Mais um caso de "ultraje ao Estado" em Angola

18 de agosto de 2023

A polémica influenciadora digital Neth Nahara foi condenada a seis meses de prisão pelo crime de ultraje ao Presidente da República, João Lourenço. Não é o primeiro caso do género. Terá este crime virado moda em Angola?

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Foto: DW/N. Sul de Angola

A cantora e influenciadora digital Ana da Silva Miguel, conhecida por Neth Nahara, é o mais recente caso de condenação pelo crime de "ultraje ao Estado" em Angola.

É uma figura pública envolvida em várias polémicas, incluindo por ter invadido a casa do ex-governador de Luanda e ministro das Obras Públicas, Higino Carneiro, que acusou de lhe ter transmitido HIV. O político desmentiu as acusações e divulgou um teste negativo da doença.

No sábado passado (12.08), Neth Nahara publicou um vídeo em que criticava o Presidente angolano, João Lourenço: "Se você continuar assim, não vão fazer tômbola como fizeram no Savimbi e Kadafi. Você mesmo é que irá lá. Os teus amigos não te vão acudir porque eles são falsos", disse a influenciadora digital.

O Serviço de Investigação Criminal (SIC) não gostou. Neth Nahara foi detida e julgada sumariamente na segunda-feira. O Tribunal da Comarca de Luanda considerou o crime como "provado" e condenou-a a seis meses de prisão efetiva.

Angola Luanda | Justizpalast
Advogado da influenciadora digital Neth Nahara diz que não foram reunidos pressupostos para o julgamentoFoto: Braima Daramé/DW

Defesa diz que vai recorrer

Para o advogado de defesa da cantora, Francisco Muteka, "não foi feita justiça". Por isso, pondera recorrer da sentença.

De acordo com Muteka, "não se verificaram pressupostos quer do flagrante delito quer para o julgamento sumário, tal como manda a lei". "Nestes termos", continua o advogado, "o processo pode ser nulo pelo facto de não se ter cumprido esse ritualismo jurídico".

Em tribunal, a cantora reconheceu o teor ofensivo do vídeo. Referiu, no entanto, que, se houve ultraje ao Estado e ao Presidente da República, não era sua intenção.

O que é "ultraje ao Estado", afinal?

O Código Penal angolano é pouco claro quanto à definição do "ultraje ao Estado". O artigo 333 diz apenas que são ofensas à República de Angola ou aos órgãos de soberania "por palavras, imagens, escritos, desenhos ou sons". O espaço para interpretação é grande.

Isso acarreta um problema, explica o jurista Agostinho Canando: a tipificação de "ultraje ao Estado" como crime pode inibir o exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos.

"Porque impede algumas pessoas críticas, até certo modo extremistas nas suas posições, de falarem aquilo que pensam, de exprimir tal e qual pensaram", considera Canando.

Tanaice Neutro | angolanischer Aktivist
"Tanaice Neutro" foi libertado em junho após mais de um ano detido pelo crime de "ultraje ao Estado"Foto: Borralho Ndomba/DW

Outras condenações

Em 2021, o cantor e ativista Gilson da Silva Moreira, conhecido como "Tanaece Neutro" foi condenado pelo Tribunal da Comarca de Luanda por chamar nomes ao Presidente da República. A organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional considerou que "Tanaece" estava no pleno uso do seu direito à liberdade de expressão.

Há igualmente registo de acusações de "ultraje ao Estado" contra outros indivíduos, incluindo o ativista Luther Campos, embora ele tenha sido absolvido dessa acusação.

O jurista Agostinho Canando afirma que há limites para o crime de "ultraje ao Estado".

"Sabemos todos nós que é preciso haver um certo respeito à figura do Presidente da República e outros órgãos de soberania, assim como se deve ter a todas as restantes pessoas na República de Angola. Então, eu acho que não se devia colocar este crime, porque vai coartar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos", conclui.

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