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Protestos de massa são apenas início de uma mudança no Irã

Ali Fathollah Nejad
Ali Fathollah-Nejad
28 de novembro de 2019

As manifestações desencadeadas pelo aumento dos combustíveis são as mais importantes em 40 anos no Irã. Elas podem ser um prenúncio do que está por vir, opina Ali Fathollah-Nejad.

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Caricatura: Policial joga gasolina sobre manifestantes em chamas
Polícia iraniana confrontou protestos com brutalidade (Caricatura de Mana Neyestani)

Da noite para o dia, os preços dos combustíveis triplicaram no Irã em 15 de novembro. Os protestos em nível nacional desencadeados após esse aumento são possivelmente os mais importantes das quatro décadas de história da República Islâmica.

Farnaz Fassihi, jornalista de origem iraniana do New York Times, afirma que, nos 25 anos em que escreve sobre seu país, nunca viu "protestos que fossem tão ousados, tão irados, tão difundidos".

Os protestos se iniciaram apesar de o governo anunciar que o faturamento do aumento dos preços da gasolina beneficiaria 18 milhões de famílias carentes, num total de cerca de 60 milhões de habitantes. A eclosão dos protestos indica uma profunda desconfiança popular em relação à promessas do governo. A redistribuição de renda proposta não tem a menor chance de compensar a alta do custo de vida no Irã.

Especialistas estimam que só 20 milhões de iranianos se qualificam para as verbas de ajuda, as quais, de qualquer forma, são insuficientes. Os gastos com combustíveis constituem uma parcela considerável das despesas das famílias de baixa renda. O aumento do preço desencadeia, porém, um efeito-dominó, provocando o encarecimento de diversos artigos básicos.

Esse fato reforçou ainda mais a enorme pressão econômica que já pesa sobre os iranianos, devido à alta taxa de desemprego, salários baixos, inflação desenfreada e desvalorização da moeda. Ao mesmo tempo, a má gestão e corrupção prosseguem, sem obstáculos.

As novas sanções dos Estados Unidos, bloqueando o afluxo de investimentos estrangeiros, só vieram agravar o empobrecimento socioeconômico de muitos iranianos, assim como a crise econômica no país. No entanto, grande parte dos problemas é de fabricação caseira, razão por que a maioria da população responsabiliza seu próprio governo pelos problemas econômicos.

Por trás do encarecimento da gasolina provavelmente estão gargalos orçamentários que colocaram em perigo o pagamento dos salários de funcionários públicos e membros das forças de segurança. Para tal, contribuiu o dramático recuo das exportações de petróleo iranianas, devido às sanções americanas.

Seria possível amenizar esses gargalos, se os gigantescos conglomerados econômicos das "fundações religiosas" das Guardas Revolucionárias e do Líder Supremo pagassem impostos. Em vez disso, Teerã decidiu impor medidas de austeridade contra a população, empobrecida nos últimos anos, sobretudo em consequência das políticas estatais.

O presidente Hassan Rouhani, o presidente do Parlamento, Ali Larijani, e o ministro da Justiça, Ebrahim Raisi, decidiram os aumentos, e o Líder Supremo Ali Khamenei, sem cujo sinal verde a decisão teria sido impensável, defendeu a medida, e classificou os manifestantes como arruaceiros e hooligans, agindo em nome dos inimigos do Irã.

Na véspera dos aumentos de preços, o Supremo Conselho Nacional de Segurança ditou aos meios de comunicação iranianos como deveriam noticiar sobre as passeatas. No entanto as autoridades se surpreenderam com a força dos protestos, e suas reações foram de uma crueldade sem igual.

No fundo, os protestos de novembro são uma continuação das manifestações em escala nacional em dezembro de 2017 e janeiro de 2018. Também na época, quem ia às ruas era sobretudo a classe média-baixa, e os protestos foram igualmente esmagados com violência após cerca de uma semana.

Em ambos os casos, a combinação de queixas socioeconômicas acumuladas e políticas levou à explosão da raiva popular. Desta vez, mesmo de acordo com as estimativas oficiais, geralmente subestimadas, o número de manifestantes subiu de 42mil para até 200 mil.

Contudo desta vez a rebelião popular e a reação violenta do Estado representam um momento decisivo em diversos aspectos. Reforçou-se a imagem hostil que amplas parcelas da população têm do governo como um todo, quer linhas-duras, quer moderados. Mesmo aqueles da classe média que não participaram foram afetados pela violenta repressão das autoridades e pelo blackout da internet (cujo custo é estimado em 61 milhões de dólares por dia). Assim, a crise de legitimação da República Islâmica deu mais um salto.

Subsistem os fatores responsáveis tanto pelos distúrbios de 2017-18 quanto pelos atuais, em novembro de 2019: uma combinação de abusos socioeconômicos e políticos intimamente relacionados à política do regime. Assim, é apenas uma questão de tempo até a próxima irrupção de ira popular.

Ali Fathollah-Nejad é pesquisador visitante no Centro Brookings em Doha e pesquisador honorário no Centro para Políticas do Oriente Médio e do Norte da África na Universidade Livre de Berlim e no Centro de Estudos de Cooperação e Desenvolvimento Internacional da Universidade Livre de Bruxelas.

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