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Discurso de Alvim com referências ao nazismo gera repúdio

17 de janeiro de 2020

Ex-secretário de Cultura que plagiou Joseph Goebbels foi condenado de maneira praticamente unânime por usuários de redes sociais, segundo levantamento. Até mesmo influenciadores da extrema direita evitaram defendê-lo.

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Fotomontage Brasiliens Kulturminister Roberto Alvim und Propagandaminister Joseph Goebbels
Texto e recursos estéticos do discurso de Alvim provocaram imediatamente uma associação com nazismo. Ele diz que foi só uma “coincidência”, mas elogiou texto originalFoto: Secretária Especial da Cultura/bpk

O discurso do agora ex-secretário especial de Cultura Roberto Alvim com trechos plagiados do antigo ministro nazista Joseph Goebbels gerou nesta sexta-feira (17/01) um movimento praticamente unânime de repúdio nas redes sociais.

Até 18h, após o vídeo ser publicado nas redes pela Secretaria Especial de Cultura, já havia 730 mil mensagens no Twitter, segundo monitoramento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV).

No vídeo, ao som de uma ópera de Richard Wagner – um compositor favorito dos nazistas –, Alvim parafraseou um trecho completo de um discurso de Goebbels proferido em 1933 para a classe teatral da Alemanha. "A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa [...] ou então não será nada”, disse Alvim.

Goebbels, em seu discurso havia dito: "A arte alemã da próxima década será heroica, será ferrenhamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa [...] ou então não será nada”.

Inicialmente, as semelhanças foram notadas pela usuária do Twitter Manuela Lourenção. O assunto ganhou ainda força após as primeiras reportagens sobre o vídeo, que também destacaram os pontos de encontro entre os discursos e o uso de recursos estéticos que combinados remetem ao nazismo.

A partir das 8h, o volume de menções a Alvim aumentou rapidamente, com pico de 2,1 mil tuítes por minuto às 11h43m. A demissão de Alvim foi anunciada no início da tarde, após declarações de repúdio de figuras políticas como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e de organizações como a Confederação Israelita do Brasil (Conib).

Do total de publicações sobre o assunto, 81% partiram do Brasil. Na Alemanha – onde o tema ainda não havia sido explorado com destaque até a tarde no horário local – o número de postagens somou 1%  do total, com mais 1% na Itália, 2% no Reino Unido e 5% nos Estados Unidos. Os tuítes identificados no exterior partiram de brasileiros e de jornalistas estrangeiros que cobrem o Brasil.

Goebbels foi citado em 18% dos tuítes, enquanto o termo "nazista" foi predominante, aparecendo em 30%. O ditador nazista Adolf Hitler foi mencionado em 12% das publicações. Ao longo da manhã e início da tarde, associações irônicas e falas de influenciadores da extrema-direita brasileira promovendo a ideia falsa de que o nazismo foi de esquerda obtiveram 3% de presença na discussão.

O tuíte do deputado Rodrigo Maia, que pediu a demissão do secretário foi identificado como de maior impacto e volume de retuítes, seguido por publicações de contas da imprensa, de jornalistas e atores políticos de partidos de oposição.

Repúdio e demissão

O dramaturgo de extrema-direita Roberto Alvim - nome artístico de Roberto Rego Pinheiro - havia sido nomeado para a Secretaria de Cultura do Brasil em novembro. Antes mesmo, quando ocupava um cargo menor na Funarte, ele já fora alvo de críticas após lançar ataques públicos contra a atriz Fernanda Montenegro. Ainda investigado por tentar empregar sua esposa em projeto da fundação, ele também foi responsável pela indicação do novo presidente da Funarte, Dante Mantovani, que se notabilizou por desatinos como uma declaração que associou o rock a uma surreal conspiração soviética para promover o aborto e o satanismo.

Deutschland Geschichte Ausstellung Entartete Kunst in München mit Adolf Hitler
Goebbels (à frente, de casaco claro) e Hitler durante uma exposição para denunciar a "arte degenerada"Foto: picture-alliance/dpa

Mas foi o discurso com referências claras ao nazismo que acabou custando a cadeira de Alvim. Inicialmente, mesmo com o escândalo tomando as redes sociais, Alvim agiu como se tudo estivesse bem. Antes de sua demissão, ele disse a jornal O Estado de S.Paulo que havia convencido o presidente Jair Bolsonaro de que a frase praticamente completa de Goebblels não passava de uma "coincidência retórica”. Ele não explicou a escolha da música de Wagner e de outros recursos estéticos associados ao nazismo.

Para piorar, disse que "a origem é espúria, mas as ideias contidas na frase são absolutamente perfeitas e eu assino embaixo". Ele ainda afirmou: "A filiação de Joseph Goebbels com a arte clássica e com o nacionalismo em arte é semelhante à minha, e não se pode depreender daí uma concordância minha com toda a parte espúria do ideal nazista."

Mais tarde, Alvim ainda tentou argumentar em sua página que não tinha noção da origem nazista de algumas de suas frases. "Se eu soubesse, jamais a teria dito. Tenho profundo repúdio a qualquer regime totalitário, e declaro minha absoluta repugnância ao regime nazista."

Mas era tarde. A atitude de Alvim fez com que até figuras como o ideólogo de extrema direita Olavo de Carvalho, espécie de filósofo oficial do governo, se distanciassem durante o pico do escândalo. "É cedo pra julgar, mas o Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça”, escreveu Olavo no Facebook.

O cineasta Josias Teófilo, outro personagem da cena cultural da extrema direita, também sugeriu que o ex-secretário estaria descompensado por problemas pessoais. "Venho notando há um bom tempo que Roberto Alvim está passando por problemas de ordem pessoal seríssimos”, escreveu no Twitter.

Após a demissão de Alvim, extremistas como Olavo mudaram um pouco o discurso para tentar aproveitar algo do caso, atribuindo – sem provas – o escândalo todo a uma suposta sabotagem de assessores “esquerdistas” da secretaria, mas sem conseguir elaborar uma versão que explicasse as declarações que o próprio ex-secretário deu à imprensa na sexta-feira.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Bolsonaro foi pressionado a demitir Alvim após uma reclamação do embaixador de Israel,  Yossi Shelley, que mantém uma relação de proximidade com o Planalto. Houve também críticas da Embaixada da Alemanha.

No meio político, além de Rodrigo Maia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-A​P) também pediu a demissão. Em nota, Alcolumbre, primeiro judeu a presidir o Senado, disse que o discurso foi "acintoso, descabido e infeliz". 

Na quinta-feira, mesmo dia em que o vídeo de Alvim foi ao ar, Bolsonaro havia elogiado o então secretário em sua live semanal nas redes sociais. "Depois de décadas, agora temos sim um secretário de Cultura de verdade, que atende o interesse da maioria da população brasileira", disse Bolsonaro na ocasião.

Nesta sexta-feira, depois da repercussão do vídeo, o presidente declarou, em nota, que a permanência de Alvim, se tornou "insustentável”.

"Um pronunciamento infeliz, ainda que tenha se desculpado, tornou insustentável a sua permanência", postou o presidente no Facebook. "Reitero nosso repúdio às ideologias totalitárias e genocidas, bem como qualquer tipo de ilação às mesmas. Manifestamos também nosso total e irrestrito apoio à comunidade judaica, da qual somos amigos e compartilhamos valores em comum." A secretaria excluiu o vídeo nesta sexta-feira.

Esse não foi o primeiro escândalo que envolveu o governo Bolsonaro e o nazismo. Em 2019, o próprio presidente e seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, alegaram, sem qualquer base histórica, que o nazismo era um "movimento de esquerda”. A fala provocou repúdio de historiadores, de partidos políticos da Alemanha e até do Museu do Holocausto em Israel.  Também em 2019, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que a aspirina foi inventada pelos nazistas durante mais uma fala para atacar o educador Paulo Freire. Na verdade, a aspirina foi inventada mais de três décadas antes da ascensão do nazismo.

JPS/ots

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