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SaúdeChile

Chile: covid-19 avança apesar de vacinação veloz

Victoria Dannemann
25 de março de 2021

Desde fevereiro, país impressiona pela velocidade com que tem vacinado sua população: 30% com uma dose e 15% com duas. Mas números de infecções e óbitos seguem aumentando. O que está por trás dessa aparente contradição?

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O presidente chileno, Sebastian Pinera, recebe a vacina contra covid-19 desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em um centro de saúde em Futrono, uma cidade na região sul de Los Rios, Chile, 12 de fevereiro de 2021.
O Chile já imunizou 30% de sua população com uma dose da vacina contra o coronavírusFoto: Chilean Presidential Palace/Xinhua/picture alliance

Algo não se encaixa. A uma velocidade impressionante desde o início de fevereiro, o Chile já imunizou quase 30% de sua população com uma dose da vacina contra o coronavírus e 15% com duas. O fato de ter alcançado um dos primeiros lugares no ranking mundial de vacinados por tamanho populacional é comemorado pelo governo de Sebastián Piñera e destacado pela imprensa internacional. E os chilenos, por sua vez, alegram-se com a ideia de começar a deixar a covid-19 para trás.

Mas, apesar do grande feito, os números de infecções, internações e óbitos mostram uma realidade completamente diferente. No sábado passado, por exemplo, foi estabelecido um recorde de infecções diárias – 7.084 novos casos – e a cada dia morrem em média 100 pessoas – uma morte a cada 15 minutos. Com os hospitais lotados, a ocupação de leitos num nível crítico próximo a 95% e os profissionais de saúde no limite, o panorama só se agrava. Na semana passada, o Chile se tornou o terceiro país da América Latina com maior número de novas infecções por habitante, atrás somente do Uruguai e do Brasil, segundo dados da publicação digital Our World in Data.

"Ainda não atingimos o pico", disse à DW Ernesto Laval, engenheiro PhD em educação e especialista em comunicação de dados. "Há um aumento de internações em UTIs, muitas com casos graves. O número de mortes, que era relativamente estável, começou a subir na semana passada e as infecções continuam a aumentar".

"Estamos passando pelo pior e isso vai continuar", alerta Muriel Ramírez, especialista em saúde pública e epidemiologia e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Católica do Norte. Especialistas temem inclusive um colapso do sistema de saúde e não descartam um impacto na rede sanitária já esta semana. Segundo o ministro da Saúde, só há leitos disponíveis até quarta-feira.

O que está acontecendo no Chile?

Os novos pacientes que entram em ventilação mecânica são cada vez mais jovens. Também foi assim no auge da primeira onda e ainda é cedo para deduzir que haja uma relação com a vacinação, que começou com os profissionais de saúde, idosos e pacientes com doenças subjacentes.

"Até o momento, a cobertura das vacinas ainda é parcial", alerta Ramírez. A proteção também não é imediata. A imunidade máxima é alcançada duas semanas após a aplicação da segunda dose, o que, para os primeiros vacinados, só está acontecendo agora.

Mas também o sucesso – e o fracasso – tem a ver com a situação epidemiológica e as medidas de contenção. "A vacina não é a única ferramenta para controlar a epidemia. É uma ferramenta a mais que previne doenças graves, mas não a transmissão. O vírus continua circulando", diz a especialista.

"Especialistas e estudos indicam que a vacinação por si só não é suficiente. É uma estratégia que deve ser agregada a outras. Também é muito importante continuar com as medidas de contenção da pandemia", corrobora Laval. Um artigo da revista The Lancet, com modelos para o Reino Unido, também confirma que, se a estratégia for baseada apenas na vacinação, a pandemia continuará a se expandir.

Antes mesmo do início da vacinação, o governo havia começado a flexibilizar as medidas. Apelando para a saúde mental e buscando reativar a economia, deu autorizações de férias que deixaram um rastro de infecções nas áreas mais visitadas. Os centros comerciais continuaram a funcionar, os cassinos foram abertos e o regresso às aulas em março gerou focos de contágio, ao que se somou o difícil distanciamento no transporte público.

O início da vacinação em massa se deu quando havia um nível muito alto de contágio, consequência de medidas de contenção cada vez mais leves. A primeira onda nunca baixou totalmente e, com as férias, os casos se multiplicaram. E enquanto Israel manteve medidas de contenção de forma concomitante com sua bem-sucedida campanha de vacinação, o Chile fez o oposto.

Além disso, chegaram as novas cepas do vírus no país, observa Ramírez: "Infelizmente, o governo não fechou as fronteiras e isso permitiu a entrada das variantes mais perigosas da Europa e do Brasil, o que poderia explicar o aumento nas últimas semanas".

Do excesso de confiança ao triunfalismo

A campanha de vacinação no Chile começou em dezembro com um pequeno lote da Biontech-Pfizer, mas a imunização em massa veio mesmo com a Coronavac, do laboratório Sinovac, com o qual foi assinado um convênio de 10 milhões de doses. A rápida aquisição foi possível graças aos esforços da Universidade Católica (PUC) para realizar o estudo da terceira fase, para o qual a Confederação da Produção e do Comércio (CPC) contribuiu com 1,6 bilhão de pesos (11,7 milhões de reais).

O Chile autorizou o uso emergencial da Coronavac em 20 de janeiro, com a aplicação das vacinas iniciada em 3 de fevereiro – antes mesmo da China aprová-la para uso em seu próprio país. Lá, ao contrário do Chile, o imunizante só é autorizado para menores de 60 anos.

Graças à rede básica de saúde estatal, o país conseguiu vacinar em velocidade recorde. Mas o sucesso colocou a necessidade de manter as medidas preventivas em segundo plano. "A estratégia de ter a vacina é espetacular, mas vamos olhar os resultados, a quantidade de pessoas que estão sofrendo e morrendo. Tínhamos todos os indícios; convinha dizer que [a situação] é grave, para que as pessoas adotem medidas individuais. Do ponto de vista da saúde, é totalmente contraproducente transmitir uma mensagem de sucesso", avalia Laval.

Idoso recebe uma injeção da vacina Coronavac contra o coronavírus em um centro de vacinação
A impressionante velocidade da vacinação ainda não se traduziu em queda nas infecçõesFoto: Esteban Felix/AP Photo/picture alliance

A vacina promete prevenir quadros graves da doença e, assim, também diminuir as chances de óbito, mas não evita completamente o contágio. O laboratório Sinovac ainda não publicou o estudo final de fase três que indique a eficácia de sua vacina. Segundo informações mais recentes da PUC, após duas doses foram encontrados anticorpos em 90% dos inoculados, mas não se sabe em que nível. Relatórios preliminares apontam para uma eficácia de 50% no Brasil e de 83% na Turquia.

No ritmo atual, o Chile deve ter 70% de sua população totalmente vacinada dentro de 67 dias, de acordo com o site Time to Herd. Porém, dependendo da eficácia da vacina e dos níveis atuais de contágio, a tão esperada imunidade coletiva ainda pode demorar. "Ainda não se sabe como a vacina que estamos aplicando no Chile vai se comportar e falta vigilância em relação a novas variantes", observa Laval.

Colapso dos hospitais e eleições em xeque

"Estamos com um índice de ocupação de UTIs muito alto; estão chegando muitos pacientes com menos de 60 anos. Nesse ritmo, as unidades de tratamento intensivo arriscam ficar saturadas e a mortalidade pode aumentar", alerta Laval. Atualmente, o país registra os mais altos níveis da pandemia: 2,2 mil pacientes com covid-19 em UTIs – e há menos de 200 leitos disponíveis em todo o país.

Os médicos pedem extrema cautela, pois não só os leitos estão se esgotando, mas também a capacidade humana para cuidados está chegando ao limite.

A situação compromete ainda a realização das próximas eleições em 11 de abril, nas quais o Chile elege os membros da nova Convenção Constituinte, prefeitos, vereadores e governadores. Como primeira medida, foi decidido realizar o processo eleitoral em dois dias, mas já há pedidos de adiamento para garantir melhores condições sanitárias e uma maior participação.

Manifestante de máscara de proteção facial segura uma placa com os dizeres "Eu aprovo"
Situação compromete também as eleições de 11 de abrilFoto: Getty Images/AFP/M. Bernetti

O risco de uma possível variante chilena

Especialistas destacam que não há efeitos imediatos e que as ações de hoje – confinamento e vacinação – surtirão seus efeitos daqui a semanas. Por sua vez, o governo está colocando mais distritos em quarentena e enfim ordenou medidas de controle e isolamento para viajantes que chegam do exterior. Também há planos de recrutar pessoal de saúde entre estudantes e médicos aposentados.

"Estou muito preocupada com a situação", alerta Ramírez. "Ao mesmo tempo que temos a vacinação, há um aumento muito grande de infecções e essa combinação não é boa, pois faz com que os vírus tendam a se defender e sofrer mutações. Não me surpreende que, se a situação continuar assim, tenhamos uma variante chilena".

"Há uma grande obsessão com o sucesso da vacina como a única solução e isso não é verdade. Isso será controlado com medidas de saúde pública e até mais para frente, que têm a ver com a melhoria da qualidade de vida das pessoas, pois atinge mais quem vive em situação de superlotação, pobreza ou desnutrição. É preciso um olhar mais social para o enfrentamento da epidemia, e não apenas biomédico", propõe a especialista.

Questionada pela DW, Sandra Cortés, profissional de saúde e acadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade Católica, concorda: "Se depositarmos todas as nossas esperanças apenas na vacina, vamos passar por sucessivas campanhas de vacinação de altíssimo custo. A estratégia não pode se apoiar apenas neste pilar; tem que se basear na interrupção das cadeias de transmissão e com medidas socioeconômicas abrangentes".

Idosa recebe uma injeção da vacina Coronavac contra a covid-19, desenvolvida pela empresa biofarmacêutica chinesa Sinovac, em uma clínica de Santiago, Chile, em 3 de fevereiro de 2021.
Especialistas alertam: vacinação sozinha não é capaz de controlar pandemia e arrisca dar perigosa sensação de segurançaFoto: Esteban Felix/AP Photo/picture alliance

A especialista também chama a atenção para a normalização do elevado número de óbitos e para a necessidade de se ter em conta o impacto da pandemia na população. "Teremos pessoas com sequelas, até incapacitadas, e uma crise de saúde mental agravada, também entre as famílias dos profissionais de saúde. Muitos passaram meses sem ver os pais ou os filhos."

"Nossa tarefa é educar, para que saibam o que aprendemos e onde falhamos. Somos um país que tem recursos para gastar com isso, mas um país desigual. A saúde pública mostra que a prevenção e a contenção são mais baratas e salvam vidas", enfatiza Cortés.

"O caso do Chile estará na mira de muitos países que também têm esperança de que a vacinação seja a bala de prata que nos permite sair da encruzilhada em que estamos", diz Laval. As medidas postas em prática pelo governo e o comprometimento pessoal serão fundamentais para corrigir o rumo, diz.