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Assassino de petista seguia pauta do bolsonarismo nas redes

11 de julho de 2022

Agente que matou dirigente do PT passou a publicar mensagens cada vez mais radicais a partir de 2018 e replicava regularmente a pauta bolsonarista do momento, como ataques a vacinas e políticos que romperam com governo.

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Jair Bolsonaro em vídeo na internet
Foto: Getty Images/AFP/M. Pimentel

"Cristão", "conservador", "Bolsonaro presidente", "armas são sinônimo de defesa", "não ao aborto". Assim começa a descrição do perfil no Twitter do agente penitenciário Jorge José da Rocha Guaranho, que no último sábado (09/07) assassinou a tiros o dirigente petista Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu (PR) durante uma festa de aniversário com temática pró-Lula. O crime foi amplamente condenado pela classe política não bolsonarista, que responsabilizou o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro por estimular ódio político e fanatismo entre seus apoiadores.

Guaranho permanece internado em estado estável após o crime. Ele foi baleado por Arruda, que ainda conseguiu disparar sua arma em legítima defesa antes de morrer. Segundo a delegada responsável pelas investigações, Guaranho teve a prisão preventiva decretada pela Justiça nesta segunda-feira.

Radicalização nas redes

A conta no Facebook de Guaranho mostra poucas publicações sobre política antes de 2018, quando Bolsonaro ainda não havia começado sua ascensão nacional. A maior parte dos posts anteriores a essa época são dominados por fotos pessoais em momentos de lazer e propaganda de uma franquia de frango frito. Sua conta no Twitter era praticamente inativa. Segundo suas redes sociais, ele passou a atuar como policial penal federal em 2010.

No entanto, no ano da última campanha presidencial, quando o Brasil passou por uma guinada de extrema direita, Guaranho passou a reproduzir regularmente mensagens contra o PT e publicações pró-Bolsonaro ou pró-armas. Algumas delas comparavam o petista Fernando Haddad a uma serpente e elogiavam o político de extrema direita Enéas Carneiro. Ainda em 2018, ele escreveu no Facebook que era preciso "limpar o Brasil do PT".

Na reta final da campanha, ele também passou a reproduzir pautas sazonais mais específicas do bolsonarismo, como as acusações infundadas que Bolsonaro fazia sobre o processo eleitoral. À época, Bolsonaro afirmava , sem apresentar provas, que estava sendo articulada uma "fraude" nas urnas para impedi-lo de vencer.

Guaranho chegou a escrever que pretendia verificar pessoalmente os boletins de urna na sua seção eleitoral em Foz do Iguaçu. "Estão tentando de todas as formas fraudar o Bolsonaro. Não vamos permitir! 16:30 estarei indo fotografar os boletins de urna", escreveu em 7 de outubro de 2018. Depois que a eleição foi para o segundo turno, Guaranho escreveu que o pleito havia sido "fraudado", no mesmo dia em que Bolsonaro fez declarações semelhantes.

Na mesma época, outras mensagens passaram a reproduzir outros credos bolsonaristas em temas como educação e aborto. Guaranho escreve que as universidades são um "puxadinho do PT" e compara a prática de aborto a assassinatos.

De maneira paradoxal – considerando o crime cometido em Foz do Iguaçu –, ele também tentou ligar o PT a práticas de violência e reclamou de usuários que fizeram piadas com a facada que Bolsonaro sofreu na campanha de 2018. "O ódio começa com a esquerda que ri de uma tentativa de assassinato e disseminação da violência", escreveu.

A partir de 2020, Guaranho passou a ser mais ativo no Twitter. Nesta rede, em vez das antigas fotos pessoais em momentos de lazer, ele começou a publicar imagens em que aparecia empunhando armas, praticando tiro em estandes e fazendo o gesto bolsonarista de "arminha" com as mãos.

Em uma foto, usando o uniforme de policial penal federal e segurando um fuzil, ele exibe na camisa uma caveira que serve do símbolo do anti-herói dos quadrinhos "Justiceiro", que como o próprio nome indica, atua como um vigilante à margem da lei. Outra foto mostra Guaranho usando uma camisa com uma versão ainda maior do símbolo em frente a um alvo perfurado por balas.

Em outra publicação, ele exibe uma foto ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente.

Cartilha de ataques a ex-aliados de Bolsonaro

No Twitter, seu comportamento passou a seguir ainda mais a pauta do momento elaborada pelo clã Bolsonaro a partir de 2020,  especialmente conforme a família presidencial ia rompendo com ex-aliados.

Em 2018, por exemplo, Guaranho ainda compartilhava notícias ou publicações do então candidato ao governo de São Paulo João Doria e do Movimento Brasil Livre (MBL), quando estes ainda estavam alinhados com o bolsonarismo. No entanto, em 2020, quando ambos já estavam rompidos com o presidente, Guaranho passou a publicar ofensas regulares contra eles, chamando Doria de "traidor" e respondendo a mensagens do MBL com palavrões.

Ele seguiu o mesmo padrão ao repetir ataques e ofensas misóginas contra a deputada Joice Hasselmann, que também caiu em desgraça entre o clã Bolsonaro ainda em 2019 e passou a ser alvo de uma intensa campanha de desconstrução nas redes. Em abril de 2020, quando Carlos Bolsonaro e outros influencers bolsonaristas começaram a se referir a Hasselmann como "Peppa Pig" nas redes, Guaranho passou a fazer o mesmo.

O mesmo roteiro ocorreu no posicionamento de Guaranho em relação ao ex-ministro Sergio Moro. No primeiro ano do governo Bolsonaro, ele publicou elogios ao então ex-juiz, quando Moro ainda estava alinhado com o presidente. "Acreditamos no senhor!", escreveu Guaranho ao ex-juiz em agosto de 2019. "Foz do Iguaçu não poderia deixar de estar ao lado do senhor Sergio Moro nessa luta!", escreveu em dezembro daquele ano, abaixo de uma publicação de Moro sobre um outdoor de apoio ao pacote anticrime que havia sido instalado na cidade do oeste paranaense.

No entanto, após Moro romper com Bolsonaro em abril de 2020 e o presidente passar a atacar o ex-juiz publicamente, Guaranho entrou na onda da máquina bolsonarista que passou a atacar Moro nas redes. "Zé ruela", "Seu cu!", "Tá usando drogas?" são algumas das publicações que Guaranho passou a direcionar a Moro.

Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro tem um longo histórico de declarações de ódio e ataques contra adversários. Ataques que costumam ser replicados por apoiadores nas redesFoto: Reuters/A. Machado

Jornalistas, STF, vacinas

Alguns alvos de ataques de Guaranho nas redes entre 2020 e 2022 também incluem jornalistas críticos do governo, como as colunistas Mônica Bergamo e Miriam Leitão, ministros do STF (Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso) e políticos da oposição. Há também ofensas regulares dirigidas a Lula e ao PT. Em uma publicação ele chama Leitão e a ex-presidente Dilma Rousseff de "terroristas". Outro alvo corriqueiro dos bolsonaristas também xingado por Guaranho nas redes foi o influenciador Felipe Neto. 

O mesmo comportamento de seguir a pauta – em alguns casos até contraditória – do bolsonarismo repetiu-se no caso da vacinação contra a covid-19.

Em algumas publicações, Guaranho reproduz a falsa paranoia sobre a segurança dos imunizantes expressada por Bolsonaro. Em outras, no entanto, brada que o governo federal seria o responsável pelo sucesso da vacinação no país, e não os governadores – algo que também foi propagandeado pelo Planalto. Em 2020, quando Bolsonaro diminuiu os ataques ao Congresso e redirecinou sua retórica contra o Supremo Tribunal Federal,  o agente penitenciário passou a fazer o mesmo nas suas redes.

Outras publicações manifestam apoio a ações violentas da polícia. Em maio de 2021, por exemplo, após Bolsonaro elogiar a ação policial que resultou na morte de 28 pessoas na favela do Jacarezinho, Guaranho escreveu no Twitter: "Votei nele pra isso mesmo! Fosse pra defender bandido teria votado no PT!".

Há também publicações com ofensas homofóbicas. Em diversas oportunidades ele atacou outros usuários com frases como "Você queima?". Em outra, ridiculariza o suícidio do filho de uma cantora que havia sido alvo de ataques homofóbicos nas redes. "Seleção natural", escreveu Guaranho em 2021 abaixo de publicação sobre o caso.

Guaranho também replicava com frequência publicações diretas de figuras do bolsonarismo.

Sua última mensagem antes do crime em Foz do Iguaçu é um retuíte de uma publicação do ex-presidente da Fundação Cultural Palmares, o bolsonarista Sérgio Camargo: "Não podemos permitir que bandidos travestidos de políticos retornem ao poder no Brasil. A responsabilidade é de cada um de nós".