1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
TerrorismoBrasil

"Atos golpistas são organizados, financiados e estimulados"

9 de janeiro de 2023

Para cientista política, manifestações bolsonaristas satisfazem o interesse de determinadas elites. Omissão das forças de segurança é grande diferença entre ataque em Brasília e invasão do Capitólio, diz.

https://p.dw.com/p/4Ltwd
Helicóptero sobrevoa invasores diante do Palácio do Planalto
Helicóptero sobrevoa invasores diante do Palácio do Planalto Foto: Eraldo Peres/AP Photo/picture alliance

Indícios de que os atos golpistas ocorridos nas sedes dos três Poderes em Brasília neste domingo (08/01) poderiam ocorrer existiam há meses, incluindo notícias em grupos de redes sociais e  acampamentos bolsonaristas diante de quartéis.

Segundo Carolina Botelho, pesquisadora do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública (Doxa/IESP) da UERJ e do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, antes de o atual governo federal sob Luiz Inácio Lula da Silva ter que agir, medidas poderiam ter sido tomadas por forças policiais e pelo governo do Distrito Federal.

"A omissão ajudou. Você não responsabilizar essas forças levou a corporação a tomar atitudes cada vez mais políticas", afirma a cientista política. "Até sair [do país], Jair Bolsonaro comprovadamente estimulou os atos golpistas, até por meio da omissão."

Ela considera que tais atos foram orquestrados porque há o interesse de determinadas elites e que é preciso identificar quem os financiou. "Essas manifestações estão sendo financiadas e estimuladas para se manterem em pé. Toda essa confusão tem sido financiada, estimulada, organizada. É obvio que há uma parcela da população que acredita nisso, mas acredita porque tem sido estimulada no dia a dia a acreditar", afirma.

Sobre os paralelos com a invasão do Capitólio, empreendida por apoiadores do ex-presidente Donald Trump após a derrota do republicano nas eleições de 2020, Botelho afirma que a principal diferença é que, nos EUA, diferentemente do Brasil, não houve conivência das forças policiais e militares. 

DW Brasil: Como analisar os atos ocorridos em Brasília neste domingo? Quais os efeitos políticos, tanto para o governo Lula quanto para a dita oposição, de Bolsonaro?

Carolina Botelho: Primeiro, precisamos entender que isso já era uma coisa anunciada. Só não se sabia quando. Não estávamos simplesmente com uma expectativa por conta de análise de cenário, porque, quem fosse visitar os grupos de redes sociais, se tivesse um mínimo de monitoramento, [via que] isso já estava sendo anunciado.

Dito isso, temos que entender quais são as forças que deveriam estar agindo para que se evitasse que um movimento desses eclodisse. Todas essas manifestações pró-golpe de Estado que têm acontecido com maior força desde as eleições têm uma motivação política e são instrumentalizadas por um grupo que queria ou Bolsonaro ou golpe de Estado para tirar Lula da jogada. Eles têm interesse nisso.

Essas manifestações estão sendo financiadas e estimuladas para se manterem em pé. Toda essa confusão tem sido financiada, estimulada, organizada. É obvio que há uma parcela da população que acredita nisso, mas acredita porque tem sido estimulada no dia a dia a acreditar. Não tem movimento contra isso pra dissipar, a ponto de fazer as pessoas voltarem para casa e falarem: "Daqui a quatro anos a gente decide". Isto tem que ser muito bem identificado: quem está financiando.

Foi um tiro no pé para o Bolsonaro e para o bolsonarismo, que se aproveita da figura do Bolsonaro. Porque agora deram todos os cartuchos na mão do governo federal para entrar de sola na situação. Se antes tinha um tipo de "constrangimento" para tomar as medidas de uma forma mais calma, com mais cuidado, com mais brios, agora não. Chegou a um nível tão emergencial que é necessária uma reação muito forte por parte das instituições. E o que aconteceu? Tiraram a segurança pública do Distrito Federal.

Mas aquela lista de quem está organizando, que por algum motivo pode ser cruzada com o inquérito das fake news, isso tem que vir à tona. A sociedade vai querer resposta, e as instituições vão dar respostas e dissipar essas manifestações

Foi um tiro no pé para quem quer que se valesse disso.

Para o governo Lula, acho que, desde a semana passada, da posse, eu brinquei com o meu colega [jornalista e pesquisador] Thomas Traumann falando que, naquele momento, o emprego mais difícil do mundo não era de ministro da Fazenda, era o do (ministro da Justiça) Flávio Dino [Traumann escreveu um livro chamado O pior emprego do mundo, sobre os ministros da Fazenda do Brasil]. Dino estava com a batata quente na mão – desde a posse do Lula, já deviam estar em suspensão atos desse tipo, que atrasaram uma semana e meia. O governo atual tem que mostrar uma reação rápida, uma reação mais forte que a dos golpistas, para colocar a situação em ordem.

É possível que a reação atrasada do atual Ministério da Justiça tenha sido calculada? Porque se presume que eles sabiam que isso estava sendo orquestrado.

Não sei, isso é tudo especulação, não temos como saber. O que sabemos é que o governo Lula certamente sabia, assim como o Dino. Quando iria acontecer não se sabe, mas se sabe que tinha ônibus indo para Brasília, isso todo mundo estava sabendo.

Quem seriam os órgãos que deveriam agir? A Polícia Rodoviária Federal (PRF) não estava vendo? O governo do Distrito Federal não estava vendo? Estava vendo.

Tem uma cadeia de poderes que não dependem também só do governo federal, do governo do Estado. No momento em que aconteceu isso, o presidente interferiu falando que a segurança pública não estava mais a cargo do Distrito Federal.

Há algumas semanas, o secretário de Segurança do DF (ex-ministro da Justiça de Bolsonaro), Anderson Torres, estava jantando enquanto golpistas tentavam jogar um ônibus do viaduto, e não fez nada.

Como o bolsonarismo mudou para sempre o Brasil

A medida foi tomada dentro do que é responsabilidade do governo federal. Antes de essa medida ser tomada, há várias esferas de poder que deviam ter agido e não agiram. Houve uma reação bastante forte neste domingo, porque tirar a segurança de um governo em cadeia nacional não é uma reação fraca, é muito importante.

O que vai acontecer agora, como esses atores vão se organizar nesse campo? O Ibaneis Rocha (governador do DF) vai ficar assim? A gente não sabe. O fato é que o governo federal que entrou há pouco tempo já está tomando medidas importantes. Agora, essas pessoas estão ocupando Brasília há três meses. Estão na frente dos quartéis há quanto tempo?

Como você mesma disse, Lula decretou intervenção federal em Brasília em reação aos atos golpistas. Que consequências isso pode ter? Há expectativas de que haja mudanças na forma como as forças policiais vão agir?

Acho que é a expectativa. Acho que o que não vai acontecer é não fazer nada. Isso certamente só piora a situação e é o que tem sido feito até o momento. Essas forças só começaram a ter esse comportamento pró-golpe quando não fizeram nada.

A omissão ajudou isso. Você não responsabilizar essas forças levou a corporação a tomar atitudes cada vez mais políticas.

Não temos certeza do que vai acontecer, mas as polícias não deveriam largar o papel constitucional delas. Porque, se nada for feito, elas vão perder a legitimidade. E nos atos, [os manifestantes] vão cada vez mais tendo força para fazer o que quiserem, a despeito das eleições, da lei.

Há paralelos com a invasão do Capitólio, empreendida por apoiadores de Trump, nos Estados Unidos, em 2021. Até as datas são parecidas: 6/1 e 8/1. Mas no caso do Brasil, Bolsonaro foi para os EUA, e Lula já foi empossado. Quais são as diferenças e semelhanças entre os dois movimentos?

Bolsonaro não está se portando como um líder da oposição, mas como um líder de milícia. Até ele sair [do país], comprovadamente estimulou os atos golpistas, até por meio da omissão. Ele está em silêncio, mas não sabemos o que  está fazendo no silêncio dele. Ele não é líder de uma oposição democrática, política, que vai organizar uma alternativa democrática contra o Lula. Ele está estimulando milícias.

Estamos fazendo o paralelo com os Estados Unidos porque é natural, mas temos que lembrar que, antes da invasão do Capitólio, a imprensa e a polícia estavam se organizando para barrar, eles sabiam exatamente o que ia acontecer. Quando se invadiu, já se sabia quem financiava, quem eram os líderes.

Aqui, temos um mapeamento, mas há alguns hiatos, porque o próprio governo anterior fez questão de criar obstáculos para o esclarecimento desses crimes e, aqui, grande parte da polícia é bolsonarista. Lá, os militares se recusaram a participar dos atos.

Aqui foi diferente. O que vimos no dia diplomação do Lula não foi isso. Essas pessoas estão na frente dos quartéis, acampadas com banheiro químico e toda a estrutura necessária. Com fake news correndo solta, com soldados ajudando. Como é possível?

Isso é muito diferente do que aconteceu nos EUA. Se a gente quiser fazer paralelo, fazemos do dia, mas aqui o processo é completamente diferente. Lá foi mapeado, investigado, e as pessoas foram presas. Aqui, estamos vendo militares ajudando.

E o que é possível ser feito a partir de agora para que isso não volte a ocorrer?

Essas coisas estão sendo financiadas porque há o interesse de determinadas elites, de grupos não satisfeitos com a vitória do Lula. Temos que entender por que não estão satisfeitas com a vitória do Lula e, uma vez identificadas, elas têm que ser punidas com rigor da lei. Temos leis, regras, Estado, mas tem que fazer valer.

O desafio agora é do Flávio Dino, que já entrou com uma batata quentíssima, porque ele está lidando com terrorismo. Tem terrorismo na sociedade e vinculado ao Estado. E tem terrorismo de empresário que está financiando o terrorismo. Temos lei para isso. Tem que fazer valer a lei.