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Berlim merece a fama de cidade mais queer da Alemanha?

9 de julho de 2023

Histórico da visibilidade LGBTQ na capital alemã data de mais de 100 anos – apesar da repressão nazista. Multiculturalidade e interseccionalidade criam um clima liberal. E a "grossura" dos berlinenses até contribui.

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Portão de Brandemburgoo iluminado com as cores do arco-íris
Foto: Jörg Carstensen/dpa/picture alliance

Num país classificado entre os mais positivos para LGBTQs, Berlim é a cidade mais acolhedora. Sim, já perdi a conta de quantas vezes me perguntaram (em geral, heteros) se o título não caberia a Colônia. Mas a minha conclusão se baseia em pesquisa e experiência vivida.

Começemos com o básico: a capital é a cidade mais populosa da Alemanha; tem o maior número de indivíduos LGBTQ vivendo no mesmo lugar, com mais recursos e infraestrutura para que se conectem, inclusive a rede de transportes públicos local.

Quem acaba de chegar e quer fazer uma exploração mais rápida, basta ir direto à Nollendorfplatz, no bairro de Schöneberg, onde há numerosos bares, clubes e cafés queer. Aqui eu sempre vou à Eisenherz, uma das minhas livrarias preferidas para comprar romances com personagens LGBTQ em inglês, francês ou alemão.

Mas para qualquer um/a que esteja procurando uma festa quente, ou mesmo um evento onde queers são bem-vindas/os, eu sugeriria o website da revista local Siegessäule: ela apresenta uma panorâmica do que há para fazer de dia a dia, além de listas de recursos de saúde mental e sexual para LGBTQs.

Festa no local SchwuZ, em Berlim
Locais LGBTQ não faltam na vida noturna berlinenseFoto: Georg Wenzel/ZB/picture alliance

O jeito "grosso" de ser berlinense

Tendo morado em Bonn por sete anos, visitei muitas vezes a metrópole próxima, Colônia, em especial a rua Schaafenstrasse, conhecida por seus bares e cafés gays. O povo lá era mais amistoso e mais aberto do que em muitas outras cidades alemãs.

Diz-se que Munique é trancada, Hamburgo é esnobe, e os berlinenses são conhecidos por seu jeito direto, que há quem ache grosso. Embora as experiências possam variar, dependendo de aonde se vai e o que se faz, eu percebo alguma verdade nessas generalizações.

Por exemplo: serem diretos ajuda os berlinenses a articularem o que querem, independente de identidades. Não há por que ter escrúpulos de vivenciar a capital alemã como um lugar positivo para o sexo, onde se é mais livre e aberta/o sobre a própria identidade de gênero do que em outras partes do país.

No entanto, a cena queer da capital é multicultural, e não composta apenas por berlinenses natos. Além de LGTBQs que vivem nela, Berlim recebe turistas de todo o mundo. Sua Parada do Orgulho Gay (Christopher Street Day, CSD) em julho é a maior do país, atraindo mais de 100 mil participantes a cada ano.

Parada do Orgulho Gay de Berlim 2021
Parada do Orgulho Gay de Berlim é destinação turística disputadaFoto: Fotostand/Reuhl/dpa/picture alliance

Maior taxa de ocorrências contra queers e trans

Mas a capital alemã tem também um lado bem sombrio, sendo o local onde mais ocorrem incidentes transfóbicos e anti-queer. Segundo o Ministério do Interior, dos 1.005 casos registrados no país em 2021, 456 ocorreram aqui.

Talvez esses números se devam a uma população queer mais numerosa e à maior disposição de denunciar as ocorrências. E, embora estime que 90% desse tipo de ataque não seja registrado, a Federação de Lésbicas e Gays na Alemanha (LSVD) reconhece que as autoridades da capital são mais eficientes em tomar ciência dos casos.

Berlim é a única cidade alemã onde gente queer do meu círculo social foi fisicamente atacada devido a sua identidade. Então tenho sempre a segurança em mente quando saio. É melhor evitar locais que não se conheça bem, sobretudo se está escuro. E talvez seja uma boa ideia pegar um táxi, ao se deslocar entre um local e outro de madrugada.

Porém, apesar de todas essas considerações, eu ainda me sinto mais à vontade em Berlim do que jamais estive em Colônia, Frankfurt, Hamburgo ou Munique. É porque há tantas comunidades diversas e interseccionais: africana, negra, queer, e assim por diante.

Parada do Orgulho Gay de Colônia, 2023
CSD de Colônia 2023: renanos competem com berlinenses pelo título de cidade alemã mais queerFoto: Roberto Pfeil/dpa/picture alliance

Tradição de vida gay e hedonismo

A existência de um histórico documentado da presença queer em Berlim talvez faça uma diferença: há mais de 100 anos LGBTQs tem sido visíveis aqui. O primeiro instituto de pesquisa de sexologia foi fundado em 1919 pelo médico e sexólogo gay Magnus Hirschfeld, e o local foi o bairro berlinense de Tiergarten. Á beira do parque homônimo, se encontra hoje um memorial para as vítimas homossexuais do Holocausto.

Frequentadoras do Cabaré Eldorado do Berlim por volta de 1930, entre as quais quatro travestis
Frequentadoras do Cabaré Eldorado do Berlim por volta de 1930, entre as quais quatro travestisFoto: General Photographic Agency/Getty Images

No documentário Cabaré Eldorado – O alvo dos nazistas, lançado pela Netflix em 29 de junho, o cineasta Benjamin Cantu explora a história por trás do clube noturno berlinense tão popular durante a República de Weimar.

"Costuma-se dizer que a tradição mais contínua de Berlim é seu estilo de vida queer e hedonista, ou a liberalidade, porque nos conecta tanto à vida 100 anos atrás, na década de 1920", me disse Cantu.

Historiadores como Robert Beachy também têm enfatizado esse aspecto: "[Berlim] desempenhou um papel enorme na criação de uma subcultura e uma comunidade visível de indivíduos que se identificam de um modo particular", afirma em seu livro Gay Berlin: Birthplace of a modern identity (Berlim gay: Berço de uma identidade moderna).

Jornalista da DW Chiponda Chimbelu
Jornalista Chiponda Chimbelu aprecia o clima positivamente queer da capital alemãFoto: Sarah Eick

Os nacional-socialistas fecharam o Eldorado em 1932, um ano antes de assumir o poder, junto com outros locais frequentados por gays, lésbicas e outros indivíduos não conformes em termos de gênero. Devido a essa ruptura durante o regime nazista, não há um elo entre a vida queer de então e a de hoje.

Quase um século mais tarde, contudo, é possível andar pelas ruas de Berlim sabendo que indivíduos queer já foram visíveis aqui. Toda vez que frequento a minha livraria preferida, a Eisenherz, na Motzstrasse, eu passo pelo prédio que abrigava o Eldorado. Toda a área ainda é um ímã para LGBTQs de todas as partes do mundo.

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Chiponda Chimbelu é jornalista econômico da DW com foco em África, diversidade e inclusão.