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Com pandemia, médicos cubanos esperam voltar ao trabalho

8 de maio de 2020

Dos milhares de profissionais de Cuba que integraram o Mais Médicos, cerca de 3 mil permanecem no Brasil. Vendo a crise de covid-19 se agravar, muitos deles, em dificuldade financeira, buscam retornar à ativa.

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Yainet La Rosa Bermudez
"Vou para qualquer lugar, só quero trabalhar naquilo que estudei", diz a médica cubana Yainet La Rosa Bermudez Foto: DW/N. Pontes

Aflita com a crise que se agrava em hospitais pelo Brasil devido à pandemia do novo coronavírus, a cubana Yainet La Rosa Bermudez só pensa em voltar a exercer a medicina. Depois de atuar pelo programa Mais Médicos e perder o emprego com o fim da cooperação com Cuba após a eleição de Jair Bolsonaro, Bermudez passou a fazer faxina, cuidar de idosos e cozinhar para fora para se manter.

"Eu não quero tirar o trabalho de médicos brasileiros. Mas nós sabemos que há muitos lugares vazios, sem médicos", argumenta. "Vou para qualquer lugar, só quero trabalhar naquilo que estudei."

De prontidão na casa onde vive com o marido e o filho cubanos, ela tem esperança de embarcar em breve para o Pará. Com o aumento de casos de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, no Norte do país, o estado passou a contratar por conta própria profissionais em caráter emergencial.

A falta de médicos na linha de frente é crônica e grave, atesta a Defensoria Pública do Pará. "Cotidianamente, unidades de pronto atendimento e prontos-socorros, de responsabilidade do município de Belém, ficam fechados em razão da falta desses profissionais", argumenta a defensora Luana Pereira.

O quadro levou o Pará a recorrer a profissionais estrangeiros, sob recomendação de órgãos como a Defensoria. Desde o fim de abril, foram acionados 112 médicos cubanos com contratos que podem se estender por até seis meses.

Carolina* acaba de chegar a Belém e aguarda as instruções para começar a tratar pacientes de covid-19 num hospital de campanha. "Já dá pra ver que a situação aqui está muito difícil", disse por telefone. Por outro lado, apesar do quadro devastador, ela aprecia a oportunidade de voltar à ativa: no interior paulista, aonde chegou para trabalhar em 2017 pelo Mais Médicos, ela enfrentava muitas dificuldades financeiras.

Assim como o Pará, outros estados, como Bahia, Mato Grosso do Sul e Goiás, consideram recorrer a médicos cubanos para minimizar o impacto da pandemia. O Brasil é o sexto país do mundo em número de mortes em decorrência da covid-19 confirmadas, com mais de 9 mil óbitos, segundo dados do Ministério da Saúde contabilizados até a manhã desta sexta-feira (08/05).

De Cuba para o interior do Brasil

Os primeiros profissionais de Cuba integrantes do Mais Médicos chegaram ao país em 2013, após o convênio ser celebrado entre Havana e o governo de Dilma Rousseff, sob intermediação da Organização Panamericana de Saúde (Opas). A meta era ampliar a atenção primária em saúde e suprir a carência de médicos principalmente em locais distantes das capitais.

Até novembro de 2018, quando Cuba anunciou sua saída do Mais Médicos após Bolsonaro ser eleito, cerca de 8 mil médicos cubanos atuaram em atendimentos a 60 milhões de brasileiros, apontam dados da Opas.

Um levantamento recente feito pela Associação de Médicos Cubanos no Brasil, com sede em Brasília, apontou que 3 mil desses profissionais permanecem em território brasileiro. Cerca de 2.500 aguardam uma oportunidade de trabalho na área. Muitos optaram por não retornar à terra natal por motivos políticos; outros se casaram com brasileiros.

Resistência e discriminação

A recontratação de médicos cubanos enfrenta resistência em várias esferas. No Pará, o Conselho Regional de Medicina (CRM) é contrário.

"A urgência epidemiológica não pode atropelar o bom senso nem a medicina brasileira. Não podemos, novamente, ter profissionais habilitados e outros à revelia da legislação que rege a medicina atuando como se iguais fossem", diz a nota assinada pelo presidente da entidade, Manoel Walber dos Santos Silva, fazendo referência à obrigatoriedade de registro no CRM e reconhecimento do diploma.

Questionado pela DW Brasil, o Ministério da Saúde informou que, até esta sexta-feira, 526 profissionais cubanos devem se apresentar em 354 cidades onde foram convocados. A chamada ocorre após um edital aberto no fim de março para responder à emergência do coronavírus.

"Cerca de 1.800 profissionais poderão ser reincorporados ao projeto por dois anos, desde que atendam aos seguintes requisitos: estar no exercício de suas atividades no programa Mais Médicos no dia 13 de novembro de 2018, quando o acordo de cooperação foi rescindido pelo governo cubano; e ter permanecido no Brasil até a data da publicação da Medida Provisória nº 890, na condição de naturalizado, residente ou com pedido de refúgio", detalha a nota enviada à DW Brasil por e-mail.

Cubanos ajudam África do Sul na luta contra a covid-19

A medida provisória em questão foi publicada em 1º de agosto de 2019 e instituiu o Programa Médicos pelo Brasil, substituto do Mais Médicos, para atenção básica no SUS. 

Algumas condições impostas pelo ministério aos profissionais cubanos são alvo de crítica. Após o fim do convênio, em novembro de 2018, por exemplo, alguns profissionais retornaram a Cuba para passar férias ou legalizar a situação junto ao governo e, por conta desse período de ausência, não podem se inscrever no novo ou em futuros editais.

"É um desperdício num país que tem enorme dificuldade em alocar médicos, principalmente em distritos indígenas", justifica Humberto Jorge Leitão de Brito, advogado da Associação de Médicos Cubanos no Brasil. "É um preconceito daqueles que estão à frente do processo. É uma discriminação absoluta por serem cubanos. Se fossem americanos ou europeus, eles já teriam sido solicitados", critica.

A médica cubana Idania Santiesteban Garrido, por exemplo, não consegue voltar à medicina no Brasil. Após o fim do Mais Médicos, ela foi a Cuba recuperar alguns documentos para se naturalizar como brasileira, nacionalidade do marido, que conheceu depois de desembarcar em Brasília na primeira turma do programa, em 2013.

Com experiência acumulada em zonas de emergência de saúde, como Gâmbia, na África, ela diz que a vaga que ocupou num posto de saúde na periferia no Distrito Federal não foi preenchida até hoje.

"Com a pandemia, nós seríamos uma força de trabalho para o Ministério da Saúde e para a população que precisa tanto de atendimento médico", afirma Garrido. "Eu só queria voltar a atender. No postinho onde trabalhei, todo mundo gostava dos médicos cubanos e torce pelo nosso retorno", afirma.

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