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Itália lança programa de ajuda psicológica para quarentena

Sergio Matalucci rc
2 de abril de 2020

A pandemia de covid-19 desgasta e estressa os italianos, que vivem há semanas sob isolamento rígido. Equipes médicas também são afetadas. Os danos psicológicos dependem da duração da crise, mas há ajuda disponível.

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Sacada na Itália enfeitada com um pano pintado com um arco-íris e com os dizeres "Andrà tutto bene" ("Ficará tudo bem")
"Ficará tudo bem", diz cartaz em Roma: serviço gratuito de emergência deve dar apoio psicológico a italianos sob quarentenaFoto: picture-alliance/abaca/IPA/P. Tenagli

Sonia Tranchina, de 38 anos, vive em isolamento com suas duas crianças e seu cachorro em um apartamento de 65 metros quadrados em Milão, desde que entraram em efeito as medidas para diminuir a disseminação do coronavírus. 

"Tudo ia bem até ontem. O mais novo, de 13 anos, normalmente é recluso, mas me surpreendeu quando pediu para sair com seus amigos. Ele nunca faz isso. De repente, me senti sobrecarregada", afirma. 

"Ele era tímido antes, e agora está entediado. Dorme o dia todo. Acorda somente para as aulas online, que acompanha diariamente. Estou assustada“, admite. 

Sonia, que é cega, integra a equipe italiana de showdown – um esporte similar ao tênis de mesa, inventado para pessoas com deficiência visual – mas não pode sair para praticar. 

"Estamos isolados. É estranho ficar em casa. Fico ainda mais desorientada quando saio para ir ao supermercado e não escuto ninguém ao meu redor. O coronavírus colocou nossa vida em compasso de espera." 

Na semana passada, o governo italiano deu início a um programa nacional de apoio psicológico para pessoas na situação de Sonia. 

Em colaboração com associações e instituições regionais, psicólogos e psicanalistas fornecem um serviço gratuito de emergência para quem precisar desse tipo de ajuda durante o isolamento. Os pacientes podem conversar por telefone ou entrar em contato com os profissionais pela internet. 

A italiana Sonia Tranchina, que é cega, posa para foto sentada num sofá acompanhada do filho mais velho e do cachorro.  
Sonia Tranchina está preocupada com o filho mais novo, ausente na fotoFoto: privat

Até mesmo pessoas com situação familiar estável e empregos seguros já anteveem mudanças psicológicas e sociais significativas. "Nos tornamos cada vez mais desconfiados. O distanciamento físico deverá permanecer durante meses, se não anos", afirma Giovanni Cerana, um professor de 44 anos, pai de dois filhos. 

"O sistema social enfrenta risco de colapso, mas as rede da família também. Meus pais são relativamente idosos. Me perguntarei durante meses se meus filhos devem ou não visitá-los. Os avós, que são pilares da sociedade italiana, poderão acabar sendo marginalizados para que não sejam colocados em risco. Não é triste?" 

 "O distanciamento social entre as pessoas aumenta em todos os sentidos", afirma Giovanni, se referindo às crianças colocadas em casas especiais após seus pais serem diagnosticados com infecção pelo coronavírus. 

 "Emergência dentro da emergência" 

Os pedidos de apoio psicológico aumentam, especialmente entre pessoas na faixa dos 30 anos de idade, afirma a psicoterapeuta milanesa Camilla Quarticelli. 

"Estamos todos sendo expostos a um trauma psicológico intenso, tanto individualmente quanto coletivamente, causado não apenas pelas consequências diretas da pandemia – luto e doença – mas também por consequências indiretas, mas não menos importantes, como a perda de emprego, esgotamento, estresse pós-traumático e estresse relacionado à quarentena", avalia. 

Ao menos duas mulheres foram mortas após serem esfaqueadas pelos próprios filhos nas últimas semanas na Itália. Uma mulher foi salva após seu marido a atacar com um martelo. 

 A violência contra mulheres foi definida como "uma emergência dentro da emergência" na Itália.   

O professor Giovanni Cerana, diante de dois monitores de computador no escritório de sua casa.  
O professor Giovanni Cerana já sente que a crise está mudando a sociedade Foto: privat

"A quantidade de psicólogos é objetivamente alta na Itália. Com boa coordenação, deve ser possível atender a todos os pedidos que são feitos, não apenas durante esse período, mas também posteriormente", afirma Camilla. 

Famílias de baixa renda e solteiros que moram sozinhos em pequenos espaços são particularmente vulneráveis. 

Os fatores que limitam a capacidade das pessoas de se adaptarem rapidamente a uma situação de emergência podem exacerbar ainda mais as consequências para a saúde mental. 

"O isolamento pode gerar sérios desafios para aqueles com dependência química", afirma Serena Camposeo, psicoterapeuta na região de Apulia, no sul do país. 

"O confinamento, a imobilidade e a falta de substâncias legais ou ilegais podem levá-los a um ciclo de compulsão e excessos. Eles podem mudar das drogas para o álcool. Alguns, especialmente aqueles sem apoio psicológico, poderão manifestar problemas psicológicos." 

Ela conta que, logo no primeiro dia em que disponibilizou como voluntária para ajudar no atendimento oferecido pelo governo, cinco pessoas em sua cidade, Carovigno, já entraram em contato com ela. 

Os profissionais de saúde sofrem estresse adicional em razão de suas preocupações com a mutação do vírus, além dos dois medos que acometem a todos: expor outras pessoas ao vírus e morrer. Até o momento, 63 médicos morreram de covid-19 na Itália.

"Não temo por mim, mas por meus entes queridos", afirma um médico que trabalha em um hospital na Lombardia e não quis se identificar. "Espero apenas que não sinta esgotamento. O apoio psicológico é necessário agora, mas não há tempo. Não há recursos." 

Estresse das equipes médicas 

Isabel Fernandez, uma psicóloga especializada em transtorno de estresse pós-traumático, afirma que os médicos raramente lamentam por seus colegas nos dias de hoje. "Cada médico ou enfermeiro que é infectado serve como um alerta para os demais de que eles podem ser os próximos." Ela diz que a falta de recursos médicos é outro fator traumatizante. 

Uma enfermeira de 34 anos recentemente cometeu suicídio. Ela se enforcou em um hospital onde trabalhava. Os profissionais de saúde como ela testemunham cenas de guerra em primeira mão.

"Quando adoeci, fui levado a um barracão com outras 10 ou 20 pessoas. Muitos não conseguiam respirar, muitos choravam. De repente, estava em um filme de guerra. Aquele dia foi o mais difícil para mim", afirma Claudio Chiari, um jornalista de 49 anos de Brescia. 

Ele foi diagnosticado com covid-19 e hospitalizado. Agora, ele está em quarentena em seu apartamento. "Depois de ver o sofrimento naquela ala do hospital, esse tipo de isolamento é bastante bom, em comparação", constata

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