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Os principais pontos do depoimento de Nise Yamaguchi

1 de junho de 2021

À CPI da Pandemia, médica volta a defender "tratamento precoce" sem comprovação científica e diz que fazia consultoria eventual a Bolsonaro.

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Nise Yamaguchi fala no Senado
Alguns senadores querem que a médica seja reconvocada pela CPI, com a obrigação de dizer a verdadeFoto: Leopoldo Silva/Agência Senado

A médica Nise Yamaguchi, que apoia o uso da cloroquina para pacientes com covid-19 e aconselhou o governo federal sobre o uso do medicamento, foi ouvida nesta terça-feira (1º/07) pela CPI da Pandemia no Senado, que investiga as ações e omissões do governo federal no combate à pandemia.

A cloroquina é normalmente utilizada no tratamento da malária, e diversos estudos científicos constataram sua ineficácia para tratar pessoas infectadas pelo coronavírus. Seu uso pode inclusive piorar a condição de saúde dos pacientes, mas isso não impediu que o presidente Jair Bolsonaro promovesse o produto em diversas ocasiões e determinasse que o governo investisse na compra e na produção do medicamento.

Ao longo do depoimento, ela afirmou várias vezes que o tratamento salvaria vidas e reduziria a necessidade de internação, sem apresentar estudos publicados em revistas científicas que comprovassem a afirmação.

O uso da cloroquina para tratar covid-19 foi defendido incialmente pelo médico francês Didier Raoult, o que levou alguns médicos e entidades a começarem a prescrever o remédio a pacientes com sintomas da doença.

A pesquisa de Raoult, porém, sofreu muitos questionamentos de seus pares. Em maio de 2020, a França proibiu o uso da substância para tratar covid-19, e em junho a FDA, agência dos Estados Unidos equivalente à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), retirou a autorização do uso da cloroquina em caráter emergencial para pacientes com a doença. Em janeiro deste ano, o próprio Raoult admitiu que o medicamento não reduz mortes por covid-19.

"Tratamento precoce" x vacinação

Durante a audiência, o relator da CPI, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), mostrou uma gravação na qual Yamaguchi dizia que o "tratamento precoce salva vidas” e que, por esse motivo, "não é preciso vacinar a população aleatoriamente porque há tratamento precoce para covid-19”, e questionou a médica se ela mantinha a afirmação a respeito das vacinas.

Yamaguchi afirmou que mantinha o que havia dito. O presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), então interviu: "Com essa voz calma, ela é convincente. Quem fala baixo de uma forma bem calma, passa mais credibilidade. Na realidade, para quem está nos vendo, peço que desconsidere o que ela fala sobre a vacina. Ela não está certa. Eu não sou médico, mas desde sempre a gente sabe que vacina sempre preveniu."

Em outro momento, Yamaguchi afirmou que o "atraso no início do tratamento [precoce]" seria um dos motivos do alto número de mortos com a doença no país.

Mudança de bula

O diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, afirmou em seu depoimento à CPI, no último dia 11, que houve uma reunião no Palácio do Planalto em 2020 na qual se discutiu alterar a bula da cloroquina para incluir a recomendação de seu uso para pacientes com covid-19, e que a proposta de alteração da bula da cloroquina teria sido defendida por Yamaguchi.

Ela confirmou que estava na reunião, mas negou ter sugerido ao governo que mudasse a bula da cloroquina. A médica disse que seu objetivo era orientar o protocolo adotados pelos médicos durante o atendimento de pacientes de covid-19.

"Não fiz nenhuma minuta para mudar a bula da cloroquina”, disse ela. "Esse papel que estava em cima da mesa só falava sobre dispensação de medicamentos. Sou especialista em regulação, isso jamais aconteceria”, afirmou. O presidente da CPI, Omar Aziz, afirmou que poderia marcar uma acareação entre ela e Barra Torres.

"Chamada oral"

Em um dos questionamentos a Yamaguchi, o senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico de formação, fez diversas perguntas sobre doenças virais à médica para averiguar seu conhecimento.

"A senhora sabe dizer para mim qual a diferença entre um protozoário e um vírus?", perguntou o senador diversas vezes. Após não responder inicialmente, ela disse que "os protozoários são organismos celulares e os vírus são organismos que tem um conteúdo de DNA ou de RNA". O objetivo de Alencar era questionar a recomendação de ivermectina, um vermífugo, que também integra o "tratamento precoce" contra a covid-19, sem comprovação científica

O senador não considerou a resposta da médica satisfatória, e afirmou que "uma medicação para protozoário nunca cabe para vírus". "A senhora não sabe nada de infectologia", disse Alencar.

Gabinete paralelo

Um dos motivos de Yamaguchi ter sido convidada a falar na CPI era averiguar sua participação no que alguns políticos da comissão vêm chamando de "gabinete paralelo" para assessorar Bolsonaro na tomada de decisões sobre a pandemia.

Yamaguchi disse que se encontrou com Bolsonaro em abril em 2020, no início da pandemia, para conversar sobre o tratamento com cloroquina para tratar doentes com covid-19. A médica disse que se comprometeu com o presidente a entrar em contato com o Conselho Federal de Medicina para validar a prescrição do medicamento para os pacientes da doença.

Ela negou ter feito parte de um "gabinete paralelo" e disse que fazia uma "consultoria eventual" ao governo. A médica afirmou também que as reuniões que manteve com integrantes da gestão federal não eram precedidas de convites formais, mas via mensagens de celular.

Após falar sobre seus contatos com o governo, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-ES) pediu que Yamaguchi fosse reconvocada à CPI, mas na condição de testemunha, com a obrigação de dizer a verdade. Nesta terça, ela havia sido apenas convidada. O presidente do colegiado, Omar Aziz, também defendeu uma nova convocação de Yamaguchi.

Mais tarde, questionada pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a médica disse que ela e o empresário Carlos Wizard discutiram a formação de um conselho científico voluntário com médicos voluntários. Segundo ela, alguns desses médicos foram recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro e por Arthur Weintraub, irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e ex-assessor especial da Presidência. "A gente discutiu essa formação desse conselho científico independente sem ter vínculo com o Ministério da Saúde, sem vínculo oficial", afirmou.

bl (ots)