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"Precisamos de dinheiro de fora para monitorar a Amazônia"

9 de agosto de 2023

Em entrevista à DW, diretor-executivo da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica diz que vigilância permanente de toda a floresta depende de doadores externos e defende adoção de modelo do Fundo Amazônia.

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Amazônia
Em 1989 e 1992, os oito países da OTCA concordaram que iriam apoiar as convenções que foram criadas na Rio 92Foto: Juancho Torres/AA/picture alliance

Para Carlos Lazary, os 14 anos que separam a atual Cúpula da Amazônia da última, em 2009, não significam falta de trabalho.

O diretor executivo da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) aponta que os oito países signatários conseguiram colocar de pé um sistema de monitoramento de toda a região nesse intervalo.

“É a primeira vez no mundo em que informações de monitoramento da Amazônia podem ser acessadas assim, numa sala. Isso mostra que os países não só ficaram no discurso, que é uma das acusações que se faz”, declarou Lazary à DW no último dia da Cúpula da Amazônia, nesta quarta-feira (09/08), após repercussões do texto assinado entre os países do tratado.

Para que a vigilância não corra o risco de parar por falta de dinheiro, Lazary defende o financiamento internacional para a iniciativa nos moldes do Fundo Amazônia, que recebe recursos da Noruega e Alemanha.

Além das imagens de satélite que permitem identificar alertas de desmatamento e focos de calor, uma sala de situação da OTCA em Brasília recebe informações em tempo real de 244 estações instaladas nos rios amazônicos - a maioria delas está no Brasil. Os dados também ajudam a monitorar a contaminação por mercúrio.

“Os países não abrem mão da soberania de seus territórios amazônicos. Eles querem afirmar esta soberania e, ao mesmo tempo, demonstrar ao mundo que são capazes de individual e conjuntamente lidar com a Amazônia”, defende Larazy.

O embaixador brasileiro criticou a postura da Colômbia que, em 2019, tentou convocar uma reunião da OTCA e excluiu a Venezuela. “A iniciativa espúria do governo da Colômbia de, em 2019, convocar uma reunião amazônica sem a Venezuela não tinha a menor chance de sobreviver, e morreu como todas as iniciativas espúrias”, comenta.

Durante a cúpula, o presidente atual da Colômbia, Gustavo Petro, criticou os países que defendem exploração de petróleo na região, num recado indireto a Lula e a tentativa de seu governo de ir adiante com os planos de retirada do combustível fóssil na Foz do Amazonas. 

DW: Como a OTCA olha para esta retomada nesta Cúpula da Amazônia depois de quinze anos de hiato?

Carlos Lazary: Os países já haviam demonstrado que poderiam se encontrar e discutir, acertar posições. Em 1989, com o presidente José Sarney; em 1992, com Fernando Collor, em 2009, com Luiz Inácio Lula da Silva. Foram momentos importantes para a agenda do desenvolvimento sustentável.

Em 1989 e 1992, os oito países da OTCA concordaram que iriam apoiar as convenções que foram criadas na Rio 92. Além disso, chegaram à Rio 92 apoiando o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas [segundo a qual os países ricos têm responsabilidade histórica nas ações para combater as mudanças climáticas por serem os primeiros a emitir, desde a Revolução Industrial, grandes quantidades de gases de efeito estufa na atmosfera].

Em 2009, o presidente Lula e diplomatas voltaram a promover isso. As três cúpulas anteriores foram em Manaus, sempre por iniciativa do governo brasileiro, como é o caso desta quarta cúpula, que acontece aqui em Belém.

A reunião de presidentes não está na governança do tratado, ou da OTCA. No tratado, a governança máxima é só dos chanceleres. Mas as reuniões presidenciais sempre foram uma espécie de definição de rumo para a cooperação amazônica.

As premissas que estavam lá atrás, que o embaixador Rubens Ricupero e os demais colegas tão magistralmente colocaram, são que os países não abrem mão da soberania de seus territórios amazônicos. Eles querem afirmar esta soberania e, ao mesmo tempo, demonstrar ao mundo que são capazes de individual e conjuntamente lidar com a Amazônia. Por isso eles fizeram o tratado, que é de cooperação.

Por isso também que os países estabeleceram o princípio da unanimidade das decisões, para que todos tivessem no mesmo nível e que nenhuma decisão fosse tomada de maneira que o país se sentisse excluído.

E é por isso que a iniciativa espúria do governo da Colômbia de, em 2019, convocar uma reunião amazônica sem a Venezuela não tinha a menor chance de sobreviver, e morreu como todas as iniciativas espúrias. A geografia está lá, ninguém vai tirar a Venezuela do mapa.

Falando em geografia, a França não está no tratado, e ela tem uma fatia da Floresta Amazônica.

Os países, na época, decidiram, em 1977, que a França não dava à Guiana Francesa o status de país independente - como até hoje não dá. A Guiana é um departamento da França que, aliás, não tem o mesmo status jurídico da França continental - a gente, para ir para Guiana Francesa, precisa de visto; para ir para Paris não é necessário.

Essa é uma questão que ficou lá atrás no tratado e os países poderão decidir de outra maneira em algum momento. Como eu represento nenhum país, mas estou aqui para servir os oito, essa é uma questão que deve ser colocada para cada país.

Do ponto de vista da OTCA, a França está no tratado. As agências francesas estão cooperando com a gente naquilo que é importante no nível técnico, na qualidade da água, ajudando a fazer o controle do mercúrio, usando a tecnologia deles e, quiçá, é a nossa esperança, que eles se juntem com os americanos para abrir para o sistema de monitoramento da OTCA um novo satélite super tecnológico que enxerga por entre as nuvens e dá uma imagem de precisão extraordinária.

Se eles nos liberarem isso, o nosso monitoramento vai ficar ‘jornada nas estrelas’.

Como é feito o monitoramento de toda a Floresta Amazônica atualmente pela OTCA?

O Fundo Amazônia reservou 20% para ações fora do território brasileiro, em toda a Amazônia. E foi assim que a gente emplacou o projeto, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para monitoramento da cobertura florestal.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe, treinou em Belém 220 técnicos de todos os países para usar o sistema Deter, que mostra os alertas de desmatamento, e usar todo modelo de monitoramento com esse conjunto de satélites.

As imagens geradas são repassadas para o Observatório Regional da Amazônia da OTCA em tempo real. A gente tem as informações direto lá na nossa sala de situação, em Brasília, em tempo real, tanto na parte de recursos hídricos como na parte de focos de calor e incêndios.

Agora incorporamos o algoritmo do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), que permite gerar boletins que vão atender os gestores locais, fazendo alerta antecipado para esses dois processos de monitoramento. Fizemos uma demonstração aqui nos Diálogos Amazônicos, foram mais de cinco mil visitantes.

Atualmente, são 244 estações nos rios amazônicos emitindo dados a cada 15 minutos para o controle central em Brasília.

Isso permite que a gente ofereça alertas antecipados de três dias. Permite que gestores tomem as providências em caso de eventuais inundações. O Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), aliás, está no Observatório, que começou em 2021.

É a primeira vez no mundo em que informações de monitoramento da Amazônia podem ser acessadas assim, numa sala. Isso mostra que os países não só ficaram no discurso, que é uma das acusações que se faz. Através da OTCA, eles implantaram ações práticas.

Como esses dados são usados de forma prática pelos países?

Primeiro, eles estão liberando todos os dados para alimentar o sistema, que é o mais importante. Estamos fazendo um protocolo para garantir que todo mundo tenha uma espécie de ‘serviço de entrega’ das informações.

Por exemplo, uma pessoa do município de Santo Antônio do Içá (AM) que queira saber como está o regime do rio pode acessar diretamente o sistema pela internet. É aberto para o público.

Agora estamos testando a entrega de boletins via aplicativo, estamos testando os primeiros clientes, digamos assim.

E como financiar esse monitoramento da Pan-Amazônia de forma permanente?

A gente precisa sair desta Cúpula com os países garantindo que todo esse monitoramento não vai se perder. O que os países precisam dizer aos financiadores internacionais da região é que é preciso criar um mecanismo financeiro que garanta um fluxo permanente de recursos para que todo esse sistema não só permaneça funcionando como seja aperfeiçoado.

Isso não pode depender do orçamento dos países, porque a gente sabe que ele sempre sofre variações. Alguns países têm condições de fazer uma promessa de Estado, outros, não. Então é preciso que a OTCA seja, digamos assim, um equalizador. Por isso que a gente precisa de um mecanismo financeiro para garantir que todo esse sistema realmente seja mantido para sempre.

O senhor está se referindo a iniciativas no modelo do Fundo Amazônia?

Sim, como Fundo Amazônia, doadores, multidoadores. Mas que tenha um fluxo permanente de recursos para pagar o trabalho daquele técnico que vai lá na cabeceira do rio, na floresta, olhar a estação, fazer manutenção, ou pegar o dado e colocar no satélite no caso das estações manuais.

No futuro, com essa tecnologia toda que a gente vê, tudo isso será feito exclusivamente por satélite. Mas, até chegar lá, a gente precisa ter tudo funcionando.

Das 244 estações, cerca de 40 são só de qualidade de água. Há mais estações de qualidade no Brasil do que nos outros países, mas a gente quer ampliar o número de estações para garantir um monitoramento melhor do mercúrio, por exemplo. Não adianta a gente lidar com mercúrio só no Brasil.

As políticas públicas dos países da Amazônia precisam ser equalizadas. Há países que têm mais condições do que outros. Estamos trabalhando para diminuir as assimetrias. As políticas públicas precisam estar baseadas na melhor informação disponível. E por isso a importância do monitoramento em tempo real: isso vai dar aos países a melhor informação disponível para poder lidar no curto, médio e longo prazo com seu planejamento.

E, na ponta da linha, fazer toda a política, que é delicadíssima, de lidar com as populações indígenas isoladas. É dever [do Estado] protegê-las.