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"Você não sabe o que é racismo!"

1 de agosto de 2018

É fácil dizer que o Brasil é uma democracia racial e que na Alemanha não existe racismo, se você, como indivíduo, não sofre discriminação. Uma discussão com uma amiga minha, negra brasileira, me faz lembrar disso.

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"Respeito: sem espaço para racismo"; placa no leste alemão
"Respeito: sem espaço para racismo"; placa no leste alemãoFoto: Reuters

"Você não sabe o que é racismo!" Um dia, uma amiga minha no Brasil me desautorizou a discutir sobre o assunto. Ela é negra, eu sou branca.

Será que ela tem razão? Afinal, é fácil dizer que o Brasil é uma democracia racial e que na Alemanha não existe racismo, se você como indivíduo não sofre discriminação. Era o meu caso – sempre fui tratada muito bem no Brasil.

Eu me lembrei dessa frase agora, pois a Alemanha inteira discute sobre racismo. O estopim do debate foi a aposentadoria do jogador Mesut Özil da seleção alemã. A frase dele – "quando ganhamos, sou alemão, quando perdemos, sou imigrante" – mexeu com o país inteiro.

O Brasil também se depara com mais um debate sobre racismo. Ele foi desencadeado por uma campanha da redeBoticário para o dia dos pais. O comercial da empresa enfatiza a presença do pai na educação dos filhos e foi lançado em 26 de julho. Nesta quarta-feira (01/08), tinha mais de 113 mil "curtidas", mas outros 17 mil polegares para baixo. O elenco que representa a família na propaganda é composto por negros.  

Kommentarbild Astrid Prange
Astrid PrangeFoto: DW/P. Böll

Eu senti o veneno de racismo chegando bem pertinho de mim quando um dia, numa festa de aniversário de uma amiga minha no Brasil, a minha sogra foi tratada como babá. Eu tentei desconversar, mas ficou um gosto amargo. Se ela fosse branca teria recebido o mesmo tratamento? E por que as patroas gostam tanto de reclamar de babás, mesmo sabendo que sem elas não seriam capazes de conciliar a vida familiar com a jornada de trabalho?

Na Alemanha também senti a dor da rejeição, pois o vizinho durante 20 anos se recusava a cumprimentar a minha família – com exceção de mim. Pior ainda foi o relato do meu marido quando um dia ele recebeu cusparadas de um grupo de jovens alemães numa estação de trem em Berlim.

Essas experiências me deixaram vislumbrar o que a minha amiga brasileira quis dizer quando ela desabafou: "Você não sabe o que é racismo!" A minha conclusão é que o combate ao racismo cabe a todos. Pois mesmo que, até hoje, você tenha sido poupado de discriminação, o racismo existe e continua a maltratar milhões de cidadãos no mundo. Além do mais: quem garante que você não será a vítima amanhã?

É parecido com a luta pelos direitos da mulher. A discriminação não é somente um problema individual de cada mulher, mas é um problema da sociedade inteira. Enquanto é tratado como assunto exclusivamente feminino, a emancipação não progride.

Infelizmente, as grandes conquistas na luta pela emancipação da mulher e contra o racismo estão sendo questionadas por movimentos políticos de ultradireita – nos dois lados do Atlântico. A disseminação de preconceitos e ódio por populistas contribui para fazer de "piadas racistas" e insultos pessoais algo socialmente aceitável.

Não sei dizer se o racismo é pior na Alemanha ou no Brasil. Ou se a "democracia racial" é mais evoluída no Brasil do que na Alemanha. Mas o desejo de alcançar este ideal persiste e não faltam exemplos positivos que mostram que isso seria perfeitamente possível. Pois, no fundo, todo mundo "sabe o que é racismo": é crime.

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Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter: @aposylt e em astridprange.de

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